A dificuldade de começar a análise: quando chegar se torna parte do trabalho
- Jéssica Domingues
- há 4 dias
- 4 min de leitura
Há um momento delicado que antecede a análise: não é o da decisão consciente, mas o da tentativa de chegar. Para muitas pessoas, a dificuldade de começar a análise aparece antes mesmo da primeira sessão, como se algo impedisse o passo que, paradoxalmente, se deseja dar.
Essa tensão não significa falta de vontade. Ao contrário: é justamente porque existe desejo que surgem movimentos que tentam manter as coisas como estão.
A aproximação da análise convoca forças que resistem a transformação — especialmente quando toca a repetição, esses modos de viver e escolher que parecem novos, mas acabam conduzindo aos mesmos lugares.

Por que é tão difícil começar a análise?
Entre pensar em procurar um analista e efetivamente ir à sessão, há muitos intervalos em que a hesitação pode se instalar:
buscar o contato, mas não escrever;
escrever, mas não responder;
receber os horários e adiar;
agendar a primeira sessão e, na véspera, descobrir que a semana ficou pesada demais.
Quando a pessoa finalmente chega, muitas vezes diz:“Eu sabia que precisava, mas criei mil dificuldades.”
Esses tropeços não são detalhes secundários. Eles contam algo sobre o próprio percurso.
O que se movimenta antes da fala
O gesto de pedir informações, considerar os horários e imaginar a primeira sessão já inaugura um movimento significativo.
A decisão de se colocar diante de alguém e dizer o que é difícil sustenta um peso. Como já escutei no consultório: “Quando a gente fala, se torna real.”
Escutar-se exige coragem. E há conteúdos que só se organizam quando ganham voz; antes disso, são apenas pressentidos.
Talvez por isso a aproximação da análise mobilize zonas silenciosas, antes mesmo da fala começar.
Resistência e adiamento: o que essa pausa revela
A resistência não é obstáculo moral, nem falta de determinação. Pode ser compreendida como um modo de proteger-se daquilo que, inconscientemente, se sabe desprazeroso — por conflito, por dor ou pelas implicações que isso pode ter na forma como alguém se vê.
Adiar pode parecer preservar uma certa estabilidade. No entanto, postergar indefinidamente não silencia o conflito; apenas o desloca, às vezes ao custo de um sofrimento que se repete.
Essa repetição, tão familiar na vida de muitos, marca justamente o ponto onde a análise pode oferecer algo diferente: não uma mudança brusca, mas a possibilidade de compreender o que insiste.
O receio de tornar real o que é sentido
Há um temor silencioso em jogo: o de escutar, com a própria voz, aquilo que permaneceu à margem da consciência.
Falar diante de alguém — com honestidade — é um gesto de desvelamento, mas também de apoio. Há coisas que só emergem porque existe um outro que escuta.
Esse encontro inicial inaugura um tipo de relação que dificilmente aparece em outros espaços da vida.
A chegada como parte do processo
Quando alguém, apesar da resistência, chega à primeira sessão, esse gesto já integra o trabalho. A análise não começa apenas na cadeira; começa no vai e vem interno, no quase que se transforma em sim.
E é importante reconhecer: chegar não dissolve a resistência; apenas a desloca para um espaço em que ela pode ser lida, escutada e transformada.
A análise acolhe não apenas o que se diz, mas também o caminho até conseguir dizer.
Chegar pode ser um alívio discreto: perceber que a hesitação, o adiamento e o receio compunham uma narrativa que agora tem lugar para existir, ser examinada e, pouco a pouco, transformada — com tempo, com cuidado e com profundidade.
FAQ — Dificuldade de começar a análise
1 - Por que sinto dificuldade de começar a análise, mesmo desejando isso?
Uma resposta possível é que iniciar a análise toca áreas sensíveis: ao falar, algo se torna real. A resistência aparece como forma de proteger-se de conteúdos que geram conflito ou desprazer.
2 - Adiar a primeira sessão significa que a análise não é para mim?
A hesitação inicial pode fazer parte do próprio movimento de aproximação. O adiamento também revela algo que poderá ser trabalhado.
3 - É normal sentir medo de falar sobre o que sinto?
Muitas pessoas temem tornar real, pela própria voz, aquilo que estava encoberto. Esse medo não impede o trabalho; ele pode se tornar parte dele.
4 - A resistência desaparece quando eu chego à primeira sessão?
Chegar não elimina a resistência; apenas a desloca para um espaço onde ela pode ser escutada e transformada junto com o analista.
5 - Como saber se é o momento de começar a análise?
Se algo insiste, mesmo junto da dúvida, isso já diz sobre um movimento interno. Muitas vezes, não é a clareza que define o momento, mas a possibilidade de se aproximar do que pede escuta.
Continue lendo:
Psicoterapia psicanalítica ou Análise pessoal: qual a diferença?
Análise pessoal psicanalítica: o que é e para quem é esse percurso
Análise Pessoal: mais do que “consertar”, é habitar a si mesmo
Análise pessoal: quando é hora de se convidar a sair do automático
Para quem é a psicanálise? Quem se autoriza a escutar a si mesmo?
Repetição e Inconsciente: é possível mudar o roteiro da própria vida?
Sobre a Autora:
Jéssica Domingues é psicanalista com percurso formativo pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Atende adolescentes e adultos em consultório particular, com atendimento presencial em Higienópolis (São Paulo) e Cerâmica (São Caetano do Sul), além de atendimentos online. Participa de grupos de estudos voltados à psicanálise contemporânea. Interessa-se por temáticas como depressão, luto, repetição e as formas atuais de mal-estar. É autora do artigo “O conceito de limite em André Green como proposta anti-procustiana ao enquadre clássico”, apresentado na Jornada de Membros do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes de 2022.
Se esse texto te deixou pensando, e quiser conversar sobre um possível início, você pode agendar uma sessão ou me escrever.













Comentários