A Interpretação dos Sonhos: os prefácios e o desabrochar da psicanálise freudiana
- Jéssica Domingues
- 8 de out.
- 5 min de leitura
Atualizado: 8 de out.
Sobre a série “A Interpretação dos Sonhos”
A Interpretação dos Sonhos: o inconsciente em imagens e deslocamentos
Publicada em 1900, A Interpretação dos Sonhos é considerada a pedra fundamental da psicanálise. Nela, Freud descreve como o inconsciente se expressa nas imagens oníricas por meio de condensações, deslocamentos e processos de figurabilidade — mecanismos que traduzem o pensamento inconsciente em cenas, símbolos e narrativas.
Com esta série, damos continuidade ao percurso iniciado em “Psicopatologia da Vida Cotidiana”, texto publicado em 1901 e que pode ser lido como um desdobramento de A Interpretação dos Sonhos. Se ali Freud mostrou como o inconsciente se revela nos lapsos, esquecimentos e atos falhos, aqui ele nos conduz à origem do trabalho onírico, onde o desejo se disfarça em imagem e o sentido se oculta no sonho.
Ao propor que os sonhos são a via régia para o inconsciente, Freud nos convida a atravessar essa fronteira entre o visível e o invisível, entre o que se sonha e o que se cala. Nesta série, acompanharemos essa travessia, explorando os conceitos fundamentais da interpretação dos sonhos e o modo como, ainda hoje, os sonhos seguem sendo uma via de acesso ao inconsciente e à elaboração psíquica.
Os prefácios: o sonho que se faz palavra

A via régia e o nascimento de uma escuta
A Interpretação dos Sonhos marca o início de uma nova escuta sobre o humano. Freud nos mostra que os sonhos não são produtos do acaso, mas formações do inconsciente: lugares onde desejos, lembranças e restos do dia se combinam de modo simbólico, guiados pelos mecanismos de condensação, deslocamento e figurabilidade.
Ao longo desta série, veremos como se compõe essa alquimia entre o que experienciamos, o que desejávamos experienciar e o que apenas vivemos — acontecimentos que não encontraram representação psíquica.
O trauma habita essa fronteira: o vivido que não foi experienciado retorna nos sonhos, repetindo-se até que se possibilite uma elaboração ou um novo destino psíquico.
O funcionamento do aparelho psíquico é destrinchado por Freud nessa obra monumental — e é esse desdobramento que iremos acompanhar, passo a passo, ao longo dos próximos meses.
Freud e os nove prefácios: uma obra em constante (re)sonho
Comecemos pelos prefácios — nove ao todo. Os primeiros textos reconhecidos como propriamente psicanalíticos datam de 1893, com os Estudos sobre a Histeria. Já A Interpretação dos Sonhos foi publicada pela primeira vez em 1900 e revisitada diversas vezes até 1931.
Nesse intervalo, Freud escreveu novos prefácios em 1900, 1908, 1911, 1914, 1918, 1921, 1929 e 1931 — uma sequência que acompanha a expansão da psicanálise e o amadurecimento de seu pensamento.
Em cada nova edição, Freud acrescenta notas, revisa trechos, reconhece contribuições e relata as reações do público e dos colegas. Esses prefácios formam um testemunho vivo da construção da psicanálise: a travessia de uma exposição que nasce tímida, mas que se fortalece.
Entre a timidez e a criação: o autor que sonha junto com sua teoria
No prefácio da primeira edição, Freud confessa seu desconforto ao expor seus próprios sonhos:
“Tornou-se inevitável mostrar a desconhecidos mais do que eu gostaria acerca das intimidades da minha vida psíquica e do que normalmente cabe a um autor que não é poeta, e sim investigador da natureza.”— Prefácio da primeira edição, 1900
Esse embaraço inicial revela o quanto a psicanálise nasce de uma exposição radical — a de mostrar-se vulnerável ao próprio inconsciente.
Mas, edição após edição, essa timidez se transforma. O autor que antes se constrangia e desculpava, passa a ocupar o lugar de criador — aquele que sonha junto com sua teoria.
Freud relata as traduções para o inglês, húngaro e francês, celebra o crescimento do movimento psicanalítico e reconhece contribuições importantes, como as de Otto Rank e Brill .O livro, antes solitário e desacreditado, começa a atravessar fronteiras — tanto geográficas quanto simbólicas.
Um pensamento que amadurece a cada edição
Freud parece acompanhar, em cada reedição, o amadurecimento de seu próprio sonho teórico. O que antes era apenas intuição se torna conceito; o que era resistência vira transmissão.
Entre os prefácios, percebemos algo essencial à psicanálise:
o pensamento vivo, que se refaz e se relê — como um sonho que insiste em se narrar até ganhar sentido.
É como se o próprio autor sonhasse sua teoria em fragmentos, cada vez mais nítidos — até despertar, não do sonho, mas nele.
Perguntas frequentes sobre A Interpretação dos Sonhos
O que Freud quis dizer com “via régia para o inconsciente”?
Freud chamou os sonhos de via régia para o inconsciente porque considerava que, ao interpretá-los, podemos acessar desejos, pensamentos e conflitos que não chegam à consciência. Os mecanismos de condensação, deslocamento e figurabilidade transformam esses conteúdos em imagens oníricas, permitindo que o inconsciente se manifeste de modo simbólico e indireto.
Qual a diferença entre condensação e deslocamento nos sonhos?
A condensação ocorre quando diversos pensamentos e lembranças se fundem em uma única imagem ou cena do sonho. O deslocamento, por sua vez, transfere o sentido emocional de um elemento importante para outro aparentemente irrelevante. Esses dois mecanismos são fundamentais para o trabalho do sonho — o processo que transforma pensamentos latentes em representações oníricas, tornando o conteúdo inconsciente parcialmente acessível.
Por que os prefácios de A Interpretação dos Sonhos são importantes?
Os prefácios, escritos por Freud entre 1900 e 1931, mostram a evolução de seu pensamento e o desabrochar da psicanálise freudiana. Em cada nova edição, Freud revisita sua obra, comenta a recepção do público, reconhece colaborações e registra o crescimento da psicanálise em diferentes países. Ler os prefácios é acompanhar o percurso de um autor que, ao interpretar os sonhos, também vai sonhando o próprio nascimento da psicanálise.
Qual é a relação entre A Interpretação dos Sonhos e Psicopatologia da Vida Cotidiana?
As duas obras se complementam. Em A Interpretação dos Sonhos (1900), Freud apresenta os fundamentos teóricos da interpretação dos sonhos e os mecanismos do inconsciente. Já em Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901), ele mostra como esses mesmos processos — condensação, deslocamento e figurabilidade — também atuam nos lapsos, esquecimentos e atos falhos da vida desperta. Juntas, formam o eixo inicial da psicanálise freudiana, revelando o inconsciente tanto no sonho quanto no cotidiano.
🔗 Esta série faz parte do blog da psicanalista Jéssica Domingues, na categoria “Interpretação dos Sonhos”.
Referência:
Freud, S (1900). A interpretação dos sonhos, prefácios.
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Sobre a Autora:
Jéssica Domingues é psicanalista com percurso formativo pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Atende adolescentes e adultos em consultório particular, com atendimento presencial em Higienópolis (São Paulo) e Cerâmica (São Caetano do Sul), além de atendimentos online. Participa de grupos de estudos voltados à psicanálise contemporânea. Interessa-se por temáticas como depressão, luto, repetição e as formas atuais de mal-estar. É autora do artigo “O conceito de limite em André Green como proposta anti-procustiana ao enquadre clássico”, apresentado na Jornada de Membros do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes de 2022.
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