Sentimento de Culpa e Autocobrança: quando nos tornamos nossos próprios juízes
- Jéssica Domingues
- 5 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de nov.
Há dias em que a vida parece medir cada gesto, cada palavra, e nos sentimos pequenos diante de nossas próprias expectativas. A culpa sussurra, a autocobrança pesa, e a sensação de nunca ser suficiente se torna rotina.

O que é culpa e autocobrança
Na psicanálise, entendemos que esses sentimentos surgem da relação do Ego com o SuperEgo — a instância que internaliza normas familiares, sociais e culturais. A culpa aparece como um lembrete constante do que “deveríamos” ter feito ou deixado de fazer.
A autocobrança, por sua vez, mede a distância entre como nos vemos e os Ideais — podendo ser o Ego Ideal, ligado a experiências mais primitivas, ou o Ideal de Ego, orientado pelas experiências secundárias. O SuperEgo atua cobrando esses Ideais, impondo limites internos que podem ser mobilizadores, dando sentido de futuro e realização. No entanto, quando excessiva, se torna fonte intensa de sofrimento, especialmente em um mundo onde telas e espelhos sociais sobrepõem o real a fantasias de perfeição parcial.
Em certos casos, especialmente em traços de caráter anal, a autocobrança é egosintônica: o Ego concorda com ela, de modo que não gera conflito interno direto, mas impõe uma rigidez difícil de negociar com o mundo externo, criando obstáculos nos relacionamentos e na flexibilidade diante das demandas cotidianas.
Impactos no cotidiano
Esses sentimentos sutis podem se manifestar em ansiedade, insatisfação constante, procrastinação e medo de errar. A autocobrança disfarçada de disciplina muitas vezes passa despercebida, mas corrói a autoestima ao longo do tempo.
Depressão e vergonha
A depender de como se dá a pressão do SuperEgo sobre o Ego e da relação do sujeito com o mundo externo, a culpa e a autocobrança podem se unir a sentimentos como vergonha e autorecriminação. Estados depressivos e melancólicos podem surgir nessa situação. Vale, porém, dedicarmo-nos a isso em um próximo texto.
Reflexão psicanalítica
A psicanálise oferece um espaço seguro para explorar essas sensações: ouvir a própria voz interna, compreender os padrões que nos aprisionam e refletir sobre as cobranças que aceitamos de nós mesmos. Não se trata de eliminar a culpa ou a autocobrança — sentimentos humanos — mas de permitir que eles deixem de ditar nossas escolhas.
Perguntas como:
“Por que me culpo tanto?”
“Que voz estou atendendo quando me cobro demais?”
São pontos de partida para a autocompreensão e mudanças significativas.
Se a culpa e a autocobrança se tornaram companheiras constantes, considerar uma análise pessoal pode ser um caminho para reencontrar leveza, autonomia e cuidado consigo mesmo.
Referência:
Freud, S (1908). Caráter e Erotismo Anal.
Freud, S (1914). Introdução ao narcisismo.
Freud, S (1923). O Ego e o Id.
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Sobre a Autora:
Jéssica Domingues é psicanalista com percurso formativo pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Atende adolescentes e adultos em consultório particular, com atendimento presencial em Higienópolis (São Paulo) e Cerâmica (São Caetano do Sul), além de atendimentos online. Participa de grupos de estudos voltados à psicanálise contemporânea. Interessa-se por temáticas como depressão, luto, repetição e as formas atuais de mal-estar. É autora do artigo “O conceito de limite em André Green como proposta anti-procustiana ao enquadre clássico”, apresentado na Jornada de Membros do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes de 2022.
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