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Ciclos da vida, nossas pedras e portais

  • Foto do escritor: Jéssica Domingues
    Jéssica Domingues
  • 14 de mai.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 3 de jul.

Notas a partir de “Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera” - Contém spoiler


Há filmes que nos atravessam como sonhos: despertam uma sensação de familiaridade e um enigma íntimo. Quando comecei a assistir Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera, algo em mim já conhecia aquelas imagens. Como se esse percurso tivesse começado antes.


O filme é circular. Não há início nem fim — estações, retornos, marcas que se repetem. Uma obra de fotografia poética, diálogos minimalistas e reflexões que, como uma pedra arremessada num lago, se expandem em ondas concêntricas. Não é um filme sobre um personagem específico, mas sobre o tempo, os ciclos da vida, culpa, continuidade ou transformação. Um lago, uma casa flutuante e portas sem paredes.


Portais invisíveis: simbolismos e passagens no filme


Essas portas sem paredes funcionam como portais. Espaços de passagem, lugares marcados por uma lei imaterial. O uso desses portais denuncia a relação com um compromisso simbólico: há quem os contorne, quem os atravesse às pressas, quem os respeite.


Na clínica, algo disso também se mostra. Marcas invisíveis que demarcam os espaços psíquicos, pactos silenciosos - tão silenciosos que, em certo momento, esquecemos o papel que desempenham. Mas há uma tenacidade inconsciente em manter esses contratos.


As paixões, culpas e gestos de renúncia presentes no filme ressoam como lembranças do nosso próprio percurso. Lembrei do texto sobre a paixão e a renúncia, sobre o que Freud chamou de “sabedoria de viver”.


A pedra e a culpa: metáforas da repetição e transformação


Em um momento marcante, o jovem monge — isolado da convivência com outras crianças — se diverte com os animais. Mas sua brincadeira é cruel: ele amarra pedras a um peixe, um sapo e uma cobra. No dia seguinte, o monge mais velho amarra uma pedra em suas costas e o envia de volta. Sua missão: libertar os animais. E, se algum deles tiver morrido, carregará aquela pedra no coração pelo resto da vida.


Adivinha o que aconteceu?


Essa cena me lembrou uma frase de Clarice Lispector, dita numa entrevista:

“Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar.”

A crueldade do menino talvez não seja gratuita. Pode ser expressão da solidão, da submissão, de uma tentativa desajeitada de exercer algum controle. Mas é a experiência do retorno, da perda e da responsabilidade que inaugura sua travessia psíquica. O que antes era apenas brincadeira se transforma em símbolo.


A pedra, no entanto, não desaparece.


Anos depois, já adulto, o jovem retorna ao templo — agora em pleno inverno. A paisagem está coberta de neve. É nesse cenário silencioso que ele carrega, mais uma vez, uma pedra — agora deliberadamente e empurrando-a montanha acima. A imagem é brutal e poética.

A pedra retorna como aquilo que não foi elaborado, como um sintoma persistente, repetido sob nova forma. Quantas vezes carregamos pedras que já poderiam ter sido deixadas?


Quantas vezes insistimos em manter pesos que já não pertencem ao presente, mas que se agarram a nós por culpa, repetição ou fidelidade inconsciente ao passado?


No inverno do filme, não basta lembrar. É preciso carregar, suar, sentir no corpo o que ainda não encontrou forma simbólica. O trabalho analítico, por vezes, se dá nesse lugar: um corpo que diz o que ainda não pôde ser dito. Criar um novo destino para o que retorna exige tempo, travessia, elaboração.


No final, tudo recomeça.


E talvez seja assim mesmo: a análise como um percurso de estações.


Nem sempre em linha reta.


Às vezes é preciso voltar para, só então, seguir.


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Ilustração digital em aquarela mostra um lago calmo com círculos concêntricos formados por uma pedra lançada à água. Ao fundo, uma pequena construção de madeira com portas abertas sem paredes remete ao templo flutuante do filme "Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera", evocando simbolicamente os ciclos da vida, os portais psíquicos e o peso das experiências passadas.

Sobre a Autora:

Jéssica Domingues é psicanalista com percurso formativo pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Atende adolescentes e adultos em consultório particular, com atendimento presencial em Higienópolis (São Paulo) e Cerâmica (São Caetano do Sul), além de atendimentos online. Participa de grupos de estudos voltados à psicanálise contemporânea. Interessa-se por temáticas como depressão, luto, repetição e as formas atuais de mal-estar. É autora do artigo “O conceito de limite em André Green como proposta anti-procustiana ao enquadre clássico”, apresentado na Jornada de Membros do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes de 2022.

Se esse texto te deixou pensando, e quiser conversar sobre um possível início, você pode agendar uma sessão ou me escrever.

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