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O material do sonho: memória e o que não se perde

  • Foto do escritor: Jéssica Domingues
    Jéssica Domingues
  • 22 de out.
  • 5 min de leitura

Sobre a série “A Interpretação dos Sonhos”

A Interpretação dos Sonhos: o inconsciente em imagens e deslocamentos


Publicada em 1900, A Interpretação dos Sonhos é considerada a pedra fundamental da psicanálise. Nela, Freud descreve como o inconsciente se expressa nas imagens oníricas por meio de condensações, deslocamentos e processos de figurabilidade — mecanismos que traduzem o pensamento inconsciente em cenas, símbolos e narrativas.


Com esta série, damos continuidade ao percurso iniciado em “Psicopatologia da Vida Cotidiana”, texto publicado em 1901 e que pode ser lido como um desdobramento de A Interpretação dos Sonhos. Se ali Freud mostrou como o inconsciente se revela nos lapsos, esquecimentos e atos falhos, aqui ele nos conduz à origem do trabalho onírico, onde o desejo se disfarça em imagem e o sentido se oculta no sonho.


Ao propor que os sonhos são a via régia para o inconsciente, Freud nos convida a atravessar essa fronteira entre o visível e o invisível, entre o que se sonha e o que se cala. Nesta série, acompanharemos essa travessia, explorando os conceitos fundamentais da interpretação dos sonhos e o modo como, ainda hoje, os sonhos seguem sendo uma via de acesso ao inconsciente e à elaboração psíquica.


Capítulo 1 - B: O material onírico - memória no sonho

Há lembranças que dormem em nós como sementes. O sonho é, às vezes, o instante em que algo brota — uma imagem antiga, um nome esquecido, uma sensação que retorna sem aviso.

Freud, ao prosseguir sua análise sobre o sonho, passa a investigar o que chama de material onírico (material do sonho)— isto é, de onde vêm as imagens que compõem o sonho. Ele parte de uma pergunta simples e desconcertante: por que certas cenas, nomes e detalhes tão distantes do presente reaparecem na vida onírica?


Ilustração aquarelada e onírica do texto “O material do sonho: memória e o que não se perde”, da psicanalista Jéssica Domingues. Uma casa translúcida sem teto, de onde brotam samambaias que atravessam janelas abertas. Um espelho d’água reflete fragmentos de escrita difusa em tons verde-azulados e dourados, simbolizando a memória que retorna nos sonhos.
Nem sempre lembrados, sempre recordados — o material onírico como o que há de perene em nós.

O material do sonho: guardião da memória


Em oposição às ideias que tratavam o sonho como mero eco dos acontecimentos recentes, Freud percebe que o material onírico não se restringe aos restos diurnos imediatos. O sonho pode recorrer a lembranças antigas, apagadas, aparentemente insignificantes — e dar-lhes nova forma. Ele cita Scholz, que afirmava que “nada de que alguma vez tenhamos possuído mentalmente se perde por inteiro”, e também Delboeuf, segundo o qual “toda impressão, mesmo a mais insignificante, deixa um traço inalterável, indefinidamente suscetível de vir à luz outra vez.”


Assim, o sonho não é apenas uma resposta ao presente: é uma reorganização de tempos psíquicos. Ele conecta o que vivemos hoje com o que um dia sentimos, vimos ou ouvimos — mesmo que disso já não reste lembrança consciente.


Sonhos hipermnésicos: o inconsciente recorda demais


Freud chama de sonhos hipermnésicos aqueles em que o sujeito recorda, em sonho, algo que parecia definitivamente esquecido ou até desconhecido. São sonhos em que o inconsciente demonstra uma memória mais precisa e extensa que a da consciência.


Um exemplo notável que ele trás é o do sonhador que sonha com uma samambaia, lembrando-se de seu nome em latim — um termo que acreditava nunca ter conhecido. Após investigação, descobre que havia lido esse nome uma única vez, anos antes, em uma revista.


Esses sonhos revelam que o inconsciente não esquece: ele conserva traços, impressões, fragmentos mínimos de experiência. O sonho, nesse sentido, é o espaço em que o que foi aparentemente perdido retorna sob outra forma — não como lembrança exata, mas como imagem transformada.


O trabalho do sonho e o trabalho da memória

O que faz com que uma lembrança antiga, esquecida há anos, apareça em um sonho banal? Talvez o inconsciente conserve tudo — e, à sua maneira, recorde quando a consciência esquece.

O sonho trabalha com o que resta, com o que sobra, com o que parecia apagado. Ele recolhe os resíduos do vivido e, ao articulá-los novamente, faz da memória uma criação. Não há linearidade temporal no inconsciente: o passado retorna no presente com a força de algo novo.

Como Cazuza dizia, “raspas e restos me interessam” — e talvez também o trabalho do sonho.


Entre lembrança e criação


O sonho, portanto, não é mera repetição: é recomposição. O material onírico prova que a lembrança, no inconsciente, não se limita a guardar — ela cria, rearranja, reinterpreta. Por isso, cada sonho é também um ato de memória: não o de recordar o que foi, mas o de reinventar o que ainda permanece.


Perguntas frequentes sobre a memória no sonho (FAQ)


1. O que Freud quer dizer com “material onírico”?

É o conjunto de elementos — lembranças, fragmentos de imagens e experiências — que compõem o conteúdo do sonho. Freud mostra que o material onírico inclui tanto impressões recentes quanto lembranças antigas, muitas vezes esquecidas.


2. O que significa “sonho hipermnésico”?

São sonhos em que o sonhador lembra de algo que não sabia lembrar — um nome, uma palavra, um detalhe. Esses sonhos revelam a capacidade do inconsciente de conservar e reativar impressões antigas.


3. O sonho trabalha apenas com lembranças do dia anterior?

Não. Embora o material recente participe da formação do sonho, Freud demonstra que as lembranças antigas, mesmo as mais distantes, também são mobilizadas.


4. Qual é a relação entre memória e inconsciente?

Para Freud, o inconsciente é um reservatório de traços mnêmicos. Nada se perde por completo: mesmo o que foi esquecido pode retornar, transformado, como no sonho.


5. O que aprendemos clinicamente com isso?

Que o sonho é uma forma de elaboração — ele reorganiza o passado no presente. Escutar um sonho é um caminho privilegiado para acessar o que a consciência muitas vezes desconhecia.


Referência:

  • Freud, S (1900). A interpretação dos sonhos, 1-b.

 

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Sobre a Autora:

Jéssica Domingues é psicanalista com percurso formativo pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Atende adolescentes e adultos em consultório particular, com atendimento presencial em Higienópolis (São Paulo) e Cerâmica (São Caetano do Sul), além de atendimentos online. Participa de grupos de estudos voltados à psicanálise contemporânea. Interessa-se por temáticas como depressão, luto, repetição e as formas atuais de mal-estar. É autora do artigo “O conceito de limite em André Green como proposta anti-procustiana ao enquadre clássico”, apresentado na Jornada de Membros do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes de 2022.  

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