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O Cansaço de Sustentar Tudo

  • Foto do escritor: Jéssica Domingues
    Jéssica Domingues
  • 17 de out
  • 4 min de leitura

Atualizado: 17 de nov

quando o peso da força se torna insuportável

“Caso surjam abismos, esses abismos pertencem a nós; caso existam perigos, então precisamos aprender a amá-los. Talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas, que só esperam nos ver um dia belos e corajosos.” Rainer Maria Rilke, Cartas a um jovem poeta (1903)

Há dias em que o corpo pesa de um jeito diferente. Não é o cansaço comum, aquele que o sono resolve. É um esgotamento que vem de dentro — como se cada gesto custasse mais do que deveria. Levantar da cama, responder mensagens, manter o rosto sereno, sustentar o mundo. Tudo parece exigir uma energia que já não existe, mas que ainda assim é convocada. Talvez esse cansaço de sustentar tudo não seja apenas físico. Talvez ele fale de algo mais profundo — de um modo de viver que se tornou pesado demais.


Ilustração onírica e aquarelada para o blog da psicanalista Jéssica Domingues. Uma figura feminina translúcida se dissolve em luz e névoa, cercada por círculos de brilho suspensos em tons suaves de lilás e azul perolado. A imagem evoca leveza, introspecção e o gesto de sustentar o invisível, dialogando com o texto “O Cansaço de Sustentar Tudo”.

A força como cárcere


A “força”, muitas vezes, é celebrada como virtude. Mas o que acontece quando ela se transforma em dever permanente?


A lógica contemporânea valoriza a performance e a autonomia como se fossem sinônimos de liberdade. Mas quanto dessa autonomia não seria, na verdade, uma solidão disfarçada? Em que momento o ideal de eficiência começou a nos afastar do outro — e de nós mesmos?


Pedir ajuda, em certos contextos, parece quase um fracasso. Falar de cansaço pode soar como fraqueza. E, ainda assim, há algo de profundamente humano no gesto de reconhecer o limite.


Winnicott lembrava que a capacidade de estar só nasce de uma experiência anterior de ser sustentado. Talvez seja impossível sustentar-se de verdade quando nunca se pôde ser amparado. A força, nesse caso, deixa de ser potência e passa a ser defesa — um modo de evitar o colapso, mas também de evitar o encontro com o próprio desamparo.


O que se perde quando se sustenta demais


Sustentar tudo pode proteger, mas também isola. Quando tudo precisa permanecer em pé, o que cai é o sujeito que sustenta. O desejo precisa de falhas, intervalos, pausas. E quem vive em estado de prontidão raramente encontra tempo para desejar.

Talvez o corpo cansado grite o direito de parar. Talvez a exaustão seja o modo que a vida encontrou de pedir cuidado.

Freud, em O Mal-Estar na Civilização (1930), refletia sobre o preço da renúncia pulsional — o quanto se abdica do prazer em nome da adaptação. Em outra chave, Byung-Chul Han observou que a sociedade atual transformou a autoexploração em hábito — o sujeito cobra de si o que antes era imposto de fora. O ideal da força, quando levado ao extremo, pode se tornar o próprio sintoma.


A dobra — o instante da pausa


Há um momento em que o esforço perde sentido. Quando o controle se dissolve, algo mais verdadeiro pode emergir. Não é rendição no sentido de desistir, mas talvez no sentido de aceitar a própria fragilidade.


Talvez o descanso verdadeiro não seja dormir, mas poder se deixar cair — confiar que algo nos sustente quando não sustentamos nada. Talvez o repouso não seja o contrário da vida, mas a sua possibilidade mais íntima.


O convite ao gesto analítico


Na escuta analítica, o cansaço pode ser uma comunicação, um enunciado. Ele pode falar do que foi silenciado, das partes que suportam demais, das vozes que nunca puderam descansar.

Ouvir esse cansaço é um ato ético. Permitir que ele fale é, muitas vezes, o início de um outro tipo de força — aquela que nasce do encontro com o limite.

E talvez seja justamente ali, onde já não é possível sustentar, que algo novo possa se construir de outro modo.

Referências

  • Freud, S. (1930). O Mal-Estar na Civilização.

  • Han, B.-C. (2017). Sociedade do Cansaço.

  • Winnicott, D. W. (1958). A Capacidade de Estar Só.

  • Rilke, R. M. (1903). Cartas a um jovem poeta.


FAQ — O Cansaço de Sustentar Tudo


1 - O que o cansaço pode estar tentando dizer?

Nem todo cansaço se resolve com descanso. Às vezes, ele fala de algo que insiste — um modo de viver que se tornou pesado, uma força que se fez obrigação. Ouvir o próprio cansaço é uma forma de se aproximar daquilo que está pedindo cuidado, e não apenas pausa.


2 - Por que é tão difícil pedir ajuda?

Partindo do ponto de que vivemos em uma cultura que celebra a autossuficiência, admitir o limite pode soar como fraqueza. Pedir ajuda pode ser sentido como um reconhecimento de incompletude, de imperfeição — algo que fere a imagem que a pessoa gostaria de ter de si mesma. Mas talvez o verdadeiro gesto de força seja justamente poder precisar — deixar-se apoiar, ainda que por um instante.


3 - A psicanálise pode ajudar nesse tipo de exaustão?

A psicanálise não oferece respostas prontas, mas um espaço de escuta. Um lugar onde o sujeito pode, pouco a pouco, compreender o sentido singular do seu cansaço e encontrar outras formas de sustentar-se — menos no dever, mais no desejo.


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Sobre a Autora:

Jéssica Domingues é psicanalista com percurso formativo pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Atende adolescentes e adultos em consultório particular, com atendimento presencial em Higienópolis (São Paulo) e Cerâmica (São Caetano do Sul), além de atendimentos online. Participa de grupos de estudos voltados à psicanálise contemporânea. Interessa-se por temáticas como depressão, luto, repetição e as formas atuais de mal-estar. É autora do artigo “O conceito de limite em André Green como proposta anti-procustiana ao enquadre clássico”, apresentado na Jornada de Membros do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes de 2022.

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