Esquecimentos de palavras na psicanálise: o inconsciente na fala
- Jéssica Domingues
- 30 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de ago.
Sobre a série “Psicopatologia da vida cotidiana”
Psicopatologia da vida cotidiana: expressões do inconsciente em nossa rotina
Em 1901, Freud publicou o artigo que dá nome a esta série. Um texto extenso, por vezes mutilado nas traduções — algumas edições chegam a omitir dois terços do conteúdo original, como apontam notas da edição Standard.
O artigo foi escrito logo após a publicação de A Interpretação dos Sonhos (1900) e pode ser lido como seu desdobramento. Se no livro dos sonhos Freud introduz os mecanismos de condensação, deslocamento e figurabilidade, neste artigo ele mostra como essas operações também aparecem fora do contexto onírico — nos esquecimentos, lapsos e pequenos erros da vida desperta.
Fora do setting analítico, essas manifestações costumam ser tratadas como acontecimentos triviais. Mas, na análise, tornam-se matéria de escuta, abrindo caminhos para as mensagens cifradas que o sujeito comunica — mesmo sem saber.
Como o texto é longo e cada capítulo trata de uma formação diferente — desde o esquecimento de palavras estrangeiras até os atos falhos combinados, o determinismo inconsciente e a crítica à crença no acaso — esta série propõe uma leitura semanal comentada, em que cada post será dedicado a um desses aspectos.
Entre o esquecimento e o erro, entre o riso e o estranhamento, o inconsciente se insinua — e convida à reflexão.
Capítulo 3: O Esquecimento de Nomes e Sequencias de Palavras

Nos dois primeiros capítulos, Freud nos apresentou o fenômeno do esquecimento e apontou para os motivos inconscientes que o sustentam. Introduziu também os caminhos da investigação analítica: palavras substitutas e associação livre.
Neste terceiro capítulo, embora o título sugira um foco específico — o esquecimento de nomes e sequências de palavras —, Freud nos oferece uma verdadeira coleção de exemplos clínicos, pessoais e teóricos. Ele retoma casos vividos, escutados e também contribuições de seus então discípulos: Carl Jung e Sándor Ferenczi.
O texto mostra como o esquecimento pode ser analisado como formação do inconsciente, revelando-se por meio de diversos mecanismos psíquicos:
– conflito interno,
– recato moral,
– ambivalência afetiva,
– contágio pelo grupo (tema que ele desenvolverá melhor em Psicologia das Massas e Análise do Eu, em 1921),
– sintoma histérico,
– facilitação da realização de desejo,
entre outras manifestações encobertas pela censura psíquica.
Com isso, Freud nos mostra que não há um único caminho de investigação nem uma causa fixa para o esquecimento. A escuta psicanalítica exige atenção às singularidades e aos deslocamentos, às cenas aparentemente banais em que algo se condensa, se desloca, se disfarça.
O inconsciente não precisa esperar o sonho para se insinuar. Ele age no meio da conversa, escorrega por entre as palavras, sopra confusão onde a consciência crê ter clareza.
É justamente nesse movimento que a psicanálise revela uma de suas maiores riquezas: a possibilidade de tratar com seriedade as pequenas falhas do dia a dia, aquelas que, fora do setting analítico, seriam facilmente desprezadas.
A investigação do inconsciente é uma chance de honestidade consigo mesmo. Ela ilumina trilhas que, quando ignoradas, podem ser perigosas — mas que, quando reconhecidas, oferecem a possibilidade de escolhas mais conscientes. Nem sempre estamos prontos para isso. Às vezes, é mais fácil esquecer.
Próximo capítulo: lembranças encobridoras
No próximo texto da série, Freud toca agora em lembranças, mas lembranças que estão a serviço do esquecimento. Para ser avisado dos novos capítulos, você pode se inscrever no formulário de newsletter logo abaixo ou clicando aqui.
Referência:
Freud, S (1901). Psicopatologia da Vida Cotidiana, capitulo 3.
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Sobre a Autora:
Jéssica Domingues é psicanalista com percurso formativo pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Atende adolescentes e adultos em consultório particular, com atendimento presencial em Higienópolis (São Paulo) e Cerâmica (São Caetano do Sul), além de atendimentos online. Participa de grupos de estudos voltados à psicanálise contemporânea. Interessa-se por temáticas como depressão, luto, repetição e as formas atuais de mal-estar. É autora do artigo “O conceito de limite em André Green como proposta anti-procustiana ao enquadre clássico”, apresentado na Jornada de Membros do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes de 2022.
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