Sentimento de Vazio e o Abismo Interior
- Jéssica Domingues
- 15 de ago.
- 4 min de leitura
Atualizado: 17 de nov.
O sentimento de vazio muitas vezes se apresenta como um buraco negro na alma — uma ausência difícil de nomear, mas fácil de reconhecer: é o silêncio angustiado, a sensação de estar fora de si, o cansaço de carregar um corpo que parece pesado demais.
Para a psicanálise, o vazio não é apenas ausência — ele pode ser também um espaço criativo, de elaboração e reconstrução. Mas como sustentar esse espaço sem cair nele? Como lidar com o desamparo que às vezes nos visita sem aviso?
Sentimento de vazio e a travessia interna
Branco, vazio, buraco… Há quem caia dentro deles e se sinta dominado. E há quem, ao correr em suas bordas, experimente o desespero de quem está prestes a se afogar — batendo os braços freneticamente com medo de descobrir a profundidade do que está abaixo de seus pés.
Quem acompanha os textos aqui do blog já deve ter percebido como volta e meia falo sobre o tempo — esse que nos lembra da morte e, por isso mesmo, nos oferece a chance de viver. Freud, em um texto de 1915, afirma que para suportar a vida é necessário nos organizarmos tendo em vista a morte. Se por um lado ela nos orienta, por outro: quem realmente dá conta de tê-la em seu horizonte? Ou ainda — como conviver com a morte que nos habita?

A pulsão de morte e o esvaziamento interno
Em 1920, Freud teorizou a pulsão de morte — essa força que desliga, desfaz, interrompe. Mas que também permite reciclar, desfazer amarras obsoletas, fazer lutos. Há algo de vital nessa destruição — quando ela está a serviço da elaboração.
O problema aparece quando a fórmula se desequilibra e a pulsão se impõe de maneira unilateral: não mais reciclagem, apenas descarte. Quando o sentimento de vazio se torna predominante, o sujeito perde acesso à capacidade de desejar, de sonhar, de reconstruir laços internos e externos. E assim, pouco a pouco, se vê exilado de si.
O impacto nos vínculos e o risco do desamparo
Nesse processo, cacos são descartados — pedaços de vida, fé no futuro, afetos importantes. E os fragmentos que restam machucam: machucam quem os carrega e quem se aproxima. Ainda que, por vezes, esses estilhaços tendem a se reorganizar em um mosaico doloroso, eles não sustentam a inteireza necessária para continuar.
Perder-se sem mapa. Sentir-se num vácuo que parece sussurrar: “não tem saída, não tem solução”. Mas será?
Um encontro possível: elaboração e fôlego
A análise propõe exatamente isso: um encontro possível. Um trabalho que respeite o tempo de quem precisa aprender a respirar de novo. Não há pressa. Não há atalhos.
Oxigenar-se, sessão após sessão. Reconstituir-se, pedaço por pedaço, com cuidado e presença. O sentimento de vazio pode não ser eliminado — mas pode ser escutado. E, na escuta, pode ganhar contorno e transformar-se em travessia.
Fernando Pessoa, em um Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, nos oferece a imagem de um sujeito múltiplo, despedaçado e em busca de sentido: “Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.[...]Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.”
Talvez seja essa a travessia diante do vazio: reconhecer-se fragmentado e ainda assim sustentar a aposta de um trabalho com o que resta — para respirar, pouco a pouco, dentro do espaço que antes parecia inalcançável.
Referências
Freud, S. (1915). Nossa atitude para com a morte. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.
Freud, S. (1920). Além do princípio do prazer.
http://arquivopessoa.net/textos/4194
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Sobre a Autora:
Jéssica Domingues é psicanalista com percurso formativo pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Atende adolescentes e adultos em consultório particular, com atendimento presencial em Higienópolis (São Paulo) e Cerâmica (São Caetano do Sul), além de atendimentos online. Participa de grupos de estudos voltados à psicanálise contemporânea. Interessa-se por temáticas como depressão, luto, repetição e as formas atuais de mal-estar. É autora do artigo “O conceito de limite em André Green como proposta anti-procustiana ao enquadre clássico”, apresentado na Jornada de Membros do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes de 2022.
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