O significado do sofrimento: entre a explicação e a elaboração
- Jéssica Domingues
- 4 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 17 de nov.
O sofrimento psíquico muitas vezes nos assusta não apenas pela dor que causa, mas pela sua estranheza e pela dificuldade em compreender o seu significado. Quando algo nos incomoda profundamente e não sabemos nomear, surgem perguntas como: O que está acontecendo comigo? Isso é normal? Tem algo errado comigo?
Nessas horas, buscamos respostas. Queremos explicações que nos ajudem a compreender o que se passa — e, quem sabe, a conter um pouco o desamparo. Como disse o poeta português Herberto Helder, em Servidões:
“Acautela a tua dor que não se torne académica.”
E, como amplia Luis Maffei:
“Uma dor acadêmica aponta para a autoridade de um tipo de saber pouco movente, pouco dado à construção e a uma revisão de si mesmo que fosse dotada de outros saberes cheios de sabores.”
A urgência de classificar a dor
Na tentativa de organizar aquilo que nos desorganiza por dentro, é comum desejarmos classificar a dor. Essa busca pode ser legítima e necessária — afinal, buscar um nome pode ser um primeiro passo para reconhecer e cuidar.
Mas nem sempre o nome chega no tempo certo. Às vezes, chega cedo demais. Em busca de um alívio rápido, corremos o risco de capturar o sofrimento em uma explicação estreita, que acalma momentaneamente, mas que, em vez de abrir espaço para uma reflexão, rotula e anestesia.
Assim, embora a busca por compreender o significado do sofrimento seja legítima, ela pode se tornar um atalho que nos distancia da escuta profunda.
O risco de explicar antes de escutar
Na perspectiva psicanalítica, escutar o sofrimento exige tempo, reflexão e presença. Há algo de valioso em sustentar a pergunta aberta, sem correr logo para a resposta.
Quando uma dor emocional é rapidamente classificada — “isso é ansiedade”, “isso é burnout”, “isso é só uma fase” — podemos perder a chance de escutar o que ela tem a dizer. Cada sofrimento carrega não apenas uma história, mas um significado próprio, que não se reduz a classificações rápidas.
Como aponta Freud, os sintomas são formações do inconsciente: carregam sentidos que precisam ser decifrados, não simplesmente eliminados.
Sofrer é também buscar sentido
Não queremos apenas deixar de sofrer. Muitas vezes, desejamos entender. E essa busca por sentido pode ser uma potência — desde que não substitua o trabalho de escuta por atalhos.
É legítimo querer compreender o que sentimos, procurar o significado do sofrimento que nos atravessa. Mas talvez seja ainda mais importante poder viver o que sentimos antes de traduzi-lo. A pressa por explicações pode nos afastar da complexidade do que nos acontece.
O significado do sofrimento e sua elaboração
Em análise, aprendemos que o sofrimento não é algo que precisa ser “consertado” com urgência, mas sim escutado com cuidado. A dor pode, sim, ser nomeada. Mas antes disso, ela precisa ser escutada — sem pressa, sem rótulo, sem moldura.
Como escreveu Clarice Lispector:
“Minha alma tem o peso da luz Tem o peso da música Tem o peso da palavra nunca dita Tem o peso de uma lembrança Tem o peso de uma saudade Tem o peso de um olhar Pesa como pesa uma ausência E a lágrima que não se chorou Tem o imaterial peso de uma solidão no meio de outros.”
Porque mais do que um nome, o sofrimento pede elaboração. E essa elaboração raramente se revela de forma imediata — ela se constrói devagar, no tempo da escuta e da presença.
Referências
HELDER, Herberto. Servidões. Lisboa: Assírio & Alvim, 2013.
MAFFEI, Luis. Servidões ou a morte como camoniano gesto ético. Convergência Lusíada, Rio de Janeiro, 31, janeiro - junho de 2014.
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Sobre a Autora:
Jéssica Domingues é psicanalista com percurso formativo pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Atende adolescentes e adultos em consultório particular, com atendimento presencial em Higienópolis (São Paulo) e Cerâmica (São Caetano do Sul), além de atendimentos online. Participa de grupos de estudos voltados à psicanálise contemporânea. Interessa-se por temáticas como depressão, luto, repetição e as formas atuais de mal-estar. É autora do artigo “O conceito de limite em André Green como proposta anti-procustiana ao enquadre clássico”, apresentado na Jornada de Membros do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes de 2022.
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