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Lapsos de leitura e lapsos de escrita: do inconsciente ao corretor-automático

  • Foto do escritor: Jéssica Domingues
    Jéssica Domingues
  • 20 de ago.
  • 5 min de leitura

Sobre a série “Psicopatologia da vida cotidiana”


Psicopatologia da vida cotidiana: expressões do inconsciente em nossa rotina


Em 1901, Freud publicou o artigo que dá nome a esta série. Um texto extenso, por vezes mutilado nas traduções — algumas edições chegam a omitir dois terços do conteúdo original, como apontam notas da edição Standard.


O artigo foi escrito logo após a publicação de A Interpretação dos Sonhos (1900) e pode ser lido como seu desdobramento. Se no livro dos sonhos Freud introduz os mecanismos de condensação, deslocamento e figurabilidade, neste artigo ele mostra como essas operações também aparecem fora do contexto onírico — nos esquecimentos, lapsos e pequenos erros da vida desperta.


Fora do setting analítico, essas manifestações costumam ser tratadas como acontecimentos triviais. Mas, na análise, tornam-se matéria de escuta, abrindo caminhos para as mensagens cifradas que o sujeito comunica — mesmo sem saber.


Como o texto é longo e cada capítulo trata de uma formação diferente — desde o esquecimento de palavras estrangeiras até os atos falhos combinados, o determinismo inconsciente e a crítica à crença no acaso — esta série propõe uma leitura semanal comentada, em que cada post será dedicado a um desses aspectos.


Entre o esquecimento e o erro, entre o riso e o estranhamento, o inconsciente se insinua — e convida à reflexão.


Capítulo 6: Lapsos de Leitura e Lapsos de Escrita


Ilustração surrealista do post "lapsos de leitura e lapsos de escrita: do inconsciente ao corretor-automático", de Jéssica Domingues Psicanalista. A imagem traz um corretor-automático como mão segurando uma tecla.
O que será que você quis dizer quando digitou aquela mensagem errada? Será que quis dizer algo?

O que Freud nos ensina


Freud amplia sua investigação dos atos falhos ao observar fenômenos que não se limitam à fala. Os lapsos de leitura e lapsos de escrita revelam que o inconsciente também se insinua quando deciframos ou registramos palavras.


Ao ler, podemos enxergar uma palavra diferente daquela que está impressa; ao escrever, podemos trocar letras, inverter frases ou até mesmo deixar escapar outra palavra, como se a mão tivesse vida própria. À primeira vista, erros banais. Mas, para a psicanálise, esses “enganos” guardam valor interpretativo.


Freud abre o capítulo afirmando que os lapsos de escrita e lapsos de leitura não diferem dos da fala em suas motivações inconscientes. Ou seja, eles também podem ser caminhos pelos quais o inconsciente se deixa entrever. A diferença é que, no tempo de Freud, escrever era uma atividade muito mais intencional e trabalhosa: quem escrevia parava, pensava, registrava. Corrigir não era simples.


Lapsos na leitura


Freud nota que, muitas vezes, lemos não o que está no papel, mas o que nos atravessa por dentro. Palavras não lidas podem ser substituídas por outras que expressam desejos, pensamentos ou conflitos recalcados. A leitura se torna, assim, um palco onde o inconsciente projeta suas próprias inscrições.


Lapsos na escrita: da pena ao teclado


Na escrita, os tropeços da mão revelam deslocamentos semelhantes. Erros de grafia, trocas de letras, repetições ou esquecimentos não surgem ao acaso. Em alguns casos, denunciam distração ou pressa; em outros, revelam a irrupção de conteúdos inconscientes que escapam ao controle da consciência.


Mas se, na época de Freud, escrever era um ato mais concentrado e trabalhoso — difícil de corrigir — hoje vivemos em outro regime. Na era da digitação e das mensagens instantâneas, o investimento na palavra escrita é menor: escrevemos rápido, muitas vezes sem olhar, e confiamos que um backspace ou um delete basta para corrigir. Nesse sentido, poderíamos dizer que também mudou a forma como os lapsos se apresentam.


Será que ao investirmos menos na escrita, também empobrecemos as aberturas simbólicas que davam espaço para que o inconsciente se manifestasse?


Digitação errada e corretor-automático: lapsos ou equívocos?


Os erros de digitação — tão comuns no celular — podem ser compreendidos como lapsos? Freud nos lembra que, em situações de fala apressada ou de atenção distraída, parte dos lapsos pode ser explicada apenas por fatores mecânicos, como apontaram Meringer e Mayer.


Algo semelhante pode ocorrer na escrita digital: o excesso de pressa e distração pode reduzir muitos enganos ao campo da casualidade. Podemos pensar que investindo menos nessa atividade, a escrita, a força de contra investimento vai obedecer essa negociação econômica do psiquismo, sendo assim manifestações inconscientes tendem a ser menos frequentes.


Por outro lado, nem todos os erros podem ser esvaziados.


O desejo atropelando a comunicação


Na troca de mensagens abaixo, a autora queria dizer que estava no shopping, mas escreveu que estava no carro.


Meme que ilustra um dialogo entre passageira e motorista, em que ela afirma estar no carro, sendo que queria falar que estava no shopping e o motorista se assusta

Neste caso, ao escrever “já estou no carro” em vez de “estou no shopping” fica evidente o desejo de já estar no destino que tomou a frente da comunicação.


Seria este erro de digitação um chiste?


Em outros casos, a dúvida permanece: um aluno que escreve “opressora” no lugar de “professora” — teria sido o corretor-automático? Um lapso que expôs um sentimento? Ou uma brincadeira consciente disfarçada de erro? Aqui, o contexto e o conteúdo precisam ser escutados caso a caso.


No texto sobre os lapsos na fala exploramos a proximidade entre lapsos e chistes, e neste exemplo encontramos uma situação que intencionalmente ou não, produziu o efeito de humor.


Meme da página "erros digitação" em que o aluno dá tchau para opressora, mas intencionava dizer professora


O papel do corretor-automático


E quando o corretor automático entra em cena? Ele muitas vezes “adivinha” a palavra, mas, nesse processo, mecaniza até mesmo nossos lapsos. Nem sempre o equívoco carrega um sentido inconsciente, mas pode render situações engraçadas ou até reveladoras.


Entre a letra e o desejo


Seja no papel ou na tela, ler errado ou escrever errado pode abrir janelas para o inconsciente. Ainda que a digitalidade e a automação tenham empobrecido parte do investimento simbólico na escrita, nem todos os lapsos desapareceram.


Eles persistem, ora como enganos mecânicos, ora como sinais de que há algo a mais. Um desejo, um pensamento ou um conflito que insiste em se escrever — ainda que contra a nossa consciência.


E talvez a pergunta que nos reste seja: quando a tecnologia acelera e corrige nossas palavras, o que perdemos daquilo que só o inconsciente poderia nos fazer dizer?




Próximo capítulo: esquecimentos de intenções e impressões


No próximo texto da série, Freud toca no assunto dos esquecimentos de inteções impressões, como quando você se sente um personagem do The Sims que as atividades foram deletadas. Para ser avisado dos novos capítulos, você pode se inscrever no formulário de newsletter logo abaixo ou clicando aqui.


Referência:


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Sobre a Autora:

Jéssica Domingues é psicanalista com percurso formativo pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Atende adolescentes e adultos em consultório particular, com atendimento presencial em Higienópolis (São Paulo) e Cerâmica (São Caetano do Sul), além de atendimentos online. Participa de grupos de estudos voltados à psicanálise contemporânea. Interessa-se por temáticas como depressão, luto, repetição e as formas atuais de mal-estar. É autora do artigo “O conceito de limite em André Green como proposta anti-procustiana ao enquadre clássico”, apresentado na Jornada de Membros do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes de 2022. 

 

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