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Teorias do sonho e a pergunta pela sua função

  • Foto do escritor: Jéssica Domingues
    Jéssica Domingues
  • há 1 dia
  • 8 min de leitura

Sobre a série “A Interpretação dos Sonhos

A Interpretação dos Sonhos: o inconsciente em imagens e deslocamentos


Publicada em 1900, A Interpretação dos Sonhos é considerada a pedra fundamental da psicanálise. Nela, Freud descreve como o inconsciente se expressa nas imagens oníricas por meio de condensações, deslocamentos e processos de figurabilidade — mecanismos que traduzem o pensamento inconsciente em cenas, símbolos e narrativas.


Com esta série, damos continuidade ao percurso iniciado em “Psicopatologia da Vida Cotidiana”, texto publicado em 1901 e que pode ser lido como um desdobramento de A Interpretação dos Sonhos. Se ali Freud mostrou como o inconsciente se revela nos lapsos, esquecimentos e atos falhos, aqui ele nos conduz à origem do trabalho onírico, onde o desejo se disfarça em imagem e o sentido se oculta no sonho.


Ao propor que os sonhos são a via régia para o inconsciente, Freud nos convida a atravessar essa fronteira entre o visível e o invisível, entre o que se sonha e o que se cala. Nesta série, acompanharemos essa travessia, explorando os conceitos fundamentais da interpretação dos sonhos e o modo como, ainda hoje, os sonhos seguem sendo uma via de acesso ao inconsciente e à elaboração psíquica.


Capítulo 1 - G - Teorias do sonho e função do sonho


Quando tentamos compreender os sonhos, não lidamos apenas com imagens estranhas ou narrativas desconexas. Lidamos, antes de tudo, com uma pergunta insistente: o que faz o sonho existir? Qual é o seu lugar na vida psíquica — e se ele cumpre alguma função?


Freud propõe que chamemos de teoria do sonho toda investigação que procure explicar o maior número possível de características do sonhar a partir de um determinado ponto de vista, situando os sonhos em uma esfera mais ampla dos fenômenos psíquicos. Cada teoria, diz ele, escolhe um aspecto do sonho como essencial — e é a partir desse recorte que constrói suas explicações.


Nem toda teoria, no entanto, chega a atribuir ao sonho uma função propriamente dita. Ainda assim, tendemos a buscá-la.


Talvez por hábito — talvez por desejo — procuramos explicações teleológicas, isto é, explicações que respondam à pergunta “para quê?”. Para que sonhamos? Para que serve o sonho? Essa forma de perguntar é profundamente humana. Mas também carrega um risco: o de supor que, ao compreender a finalidade, o enigma estaria resolvido. Como se o saber pudesse, por si só, apaziguar o sofrimento.



Na clínica, sabemos que nem sempre compreender é o mesmo que elaborar. E que o excesso de racionalização pode funcionar, não raro, como defesa contra aquilo que insiste sem se deixar domesticar pelo sentido.


Ilustração em aquarela de uma janela aberta à noite, com folhas de papel suspensas no ar, atravessadas por um fio dourado. Imagem onírica que acompanha o texto “Teorias do sonho e função do sonho”, do blog da psicanalista Jéssica Domingues, sobre A Interpretação dos Sonhos de Freud.

O sonho como continuidade da vida psíquica


Algumas teorias — entre elas a de Joseph Delboeuf, no final do século XIX — sustentam que a vida psíquica permanece íntegra durante o sono. A mente não dormiria verdadeiramente; seu aparelho continuaria funcionando por completo, ainda que sob condições distintas da vigília. O sonho seria, então, o resultado inevitável desse funcionamento em um estado alterado.


O problema dessa posição não está em reconhecer a atividade psíquica durante o sono, mas em sua consequência lógica: se a mente segue operando integralmente, por que sonhar? Por que não simplesmente dormir sem sonhos — ou despertar diante de estímulos perturbadores?


Essas teorias pouco dizem sobre a necessidade do sonho. Reconhecem seu acontecimento, mas não conseguem justificar sua existência nem atribuir-lhe uma função específica.


O sonho como empobrecimento e vigília parcial


Outra tradição — predominante no meio médico e científico na época em que Freud escreve A Interpretação dos Sonhos — parte de um pressuposto oposto. Para autores como Herbart, Maury e Binz, o sonho resulta de um rebaixamento da atividade psíquica: conexões se afrouxam, o pensamento perde coerência, o funcionamento mental se fragmenta.


O sonho seria um estado de vigília incompleto, parcial, irregular. Um despertar mal-acabado.


Essa concepção encontra apoio em explicações fisiológicas que descrevem o cérebro despertando por setores: grupos isolados de células retomariam a atividade enquanto outras permanecem em torpor. As imagens oníricas surgiriam desse funcionamento desigual, associando fragmentos de lembranças recentes de modo confuso.


Nessa perspectiva, o sonho não apenas perde dignidade psíquica como também perde sentido. Torna-se um subproduto somático, um ruído do organismo, algo sem função própria — quando não francamente patológico.


É nessa linha que Binz afirma que os sonhos não merecem ser classificados como processos psíquicos, comparando-os ao movimento aleatório de dedos ignorantes sobre as teclas de um piano. O resultado pode até lembrar uma música, mas não haveria ali intenção, composição ou significado.


Freud não ignora a força dessa tradição. Mas também não deixa de registrar as críticas que ela recebeu, inclusive de Burdach, que observa: dizer que o sonho é um despertar parcial pouco esclarece — afinal, a variabilidade das funções psíquicas ocorre ao longo de toda a vida, não apenas no sono.


Restos do dia, resíduos da vida


Dentro dessa mesma tradição médica, surge uma hipótese singular: a de Robert (1886). Ele parte de uma observação simples e desconcertante: sonhamos raramente com aquilo que ocupou intensamente nossos pensamentos durante o dia. O material do sonho costuma ser feito, ao contrário, de impressões triviais, mal elaboradas, quase desprezadas.


Daí sua tese: o sonho funcionaria como um processo de excreção psíquica. Pensamentos incompletos, impressões superficiais, restos não assimilados seriam eliminados durante o sono, aliviando a mente de um acúmulo potencialmente sufocante.


Robert chega a afirmar que a pessoa privada da capacidade de sonhar acabaria mentalmente transtornada, não por excesso de sentido, mas por excesso de resíduos.

Mesmo assim, ele não concede ao sonho estatuto propriamente psíquico. O sonhar seria apenas o modo pelo qual tomamos conhecimento de um processo somático de limpeza — uma espécie de trabalho noturno, do qual o sonho seria apenas o vestígio percebido.


O retorno do que foi silenciado


Uma leitura próxima, mas com consequências muito diferentes, é proposta por Yves Delage. Ele também observa que o sonho se constrói a partir de restos do dia — mas insiste: não se trata de trivialidade, e sim de não elaboração.


Aquilo que foi reprimido, interrompido, desviado ou deliberadamente silenciado durante a vigília conserva energia psíquica. E é essa energia que se torna força motriz do sonho.

Delage cita, inclusive, uma observação de Anatole France, trazida por Freud em nota de rodapé:

“O que vemos à noite são os restos infelizes do que negligenciamos na véspera.O sonho é com frequência a vingança das coisas que desprezamos ou a censura dos seres abandonados.”O lírio vermelho

Aqui, o sonho deixa de ser lixo orgânico e passa a ser retorno insistente. Não uma falha do sistema, mas uma resposta ao que foi excluído.


Ainda assim, Delage acaba recuando: ao final, descreve o sonho como um pensamento errante, sem direção nem finalidade, alinhando-se novamente à ideia de uma atividade psíquica empobrecida.


Quando a imaginação ganha soberania


Há, porém, um terceiro conjunto de teorias — menos aceitas, mas decisivas — que atribuem ao sonho uma forma específica de atividade psíquica, distinta da vigília.


Autores como Burdach, Purkinje e, de modo mais radical, Scherner, sustentam que o sonho liberta a mente de certas amarras: da autodeterminação consciente, da lógica discursiva, da vigilância do eu.


Nessa condição, a imaginação não apenas reproduz: ela cria. Opera por imagens, condensações, exageros, deformações. Fala uma língua própria.


Uma gramática feita de cenas, deslocamentos, figuras — próxima da poesia, distante da explicação direta. Uma poesia que, quando se aproxima do sonho, se revela surrealista; e quando se inclina ao pesadelo, adquire algo de dadaísta, fragmentado, excessivo, inquietante.


Scherner vai além, atribuindo à imaginação onírica uma atividade simbolizadora intensa, capaz de traduzir estímulos corporais em imagens plásticas: casas, ruas, corredores, objetos, perseguições. Seu sistema pode soar arbitrário — e Freud reconhece isso —, mas também toca algo essencial: o sonho não pensa em conceitos; ele mostra.

Não se trata de dizer algo sobre o corpo, mas de fazer o corpo aparecer na cena.


Entre ruído e sentido


Freud percorre essas teorias sem aderir plenamente a nenhuma. O que lhe interessa não é escolher entre o sonho como ruído somático ou como criação livre da imaginação, mas mostrar os limites de ambas as posições.


Negar qualquer sentido ao sonho parece tão fantasioso quanto atribuir-lhe uma função puramente recreativa ou curativa. Talvez o erro esteja em exigir do sonho aquilo que ele não promete oferecer: clareza, finalidade, explicação.


O sonho insiste. Apresenta. Desloca.Não responde à pergunta “para quê?” — mas tampouco é um mero acaso.


Entre o excesso de sentido e a recusa dele, Freud prepara o terreno para outra leitura — que ainda não se anuncia plenamente aqui, mas já começa a se delinear: a de que o sonho não se explica pela sua função, e sim pela sua lógica própria.


FAQ — Teorias do sonho e função do sonhar


1. O sonho tem uma função ou é apenas um efeito do sono?

O debate sobre a função do sonho atravessa toda a história das teorias do sonhar. Algumas concepções o entendem como um efeito secundário do sono — um subproduto de estímulos corporais ou de um funcionamento psíquico reduzido. Outras sustentam que o sonho exerce uma função própria, ligada à economia psíquica, à elaboração de restos do dia e à forma como a vida mental encontra caminhos indiretos de expressão durante o repouso.


2. Freud concorda com a ideia de que o sonho é algo inútil ou patológico?

Freud dialoga criticamente com teorias que descrevem o sonho como um processo somático inútil ou como um funcionamento mental empobrecido. Para ele, mesmo quando o sonho parece estranho, fragmentado ou desconexo, há ali um trabalho psíquico ativo. O sonho não é um erro do aparelho mental, mas uma produção que obedece a leis próprias.


3. Por que frequentemente sonhamos com coisas banais e não com o que mais nos preocupou durante o dia?

Freud retoma e complexifica uma observação já presente em autores como Robert e Delage: aquilo que foi intensamente vivido e elaborado na vigília nem sempre aparece diretamente nos sonhos. O material onírico costuma ser composto por restos pouco trabalhados, impressões negligenciadas ou afetos deslocados. O sonho não reflete a hierarquia consciente das preocupações, mas outra lógica de seleção.


4. Sonhar serve para “descansar” a mente ou aliviar tensões psíquicas?

Algumas tradições — sobretudo no século XIX — atribuíram ao sonho uma função restauradora ou compensatória, comparando-o a um alívio das tensões da vida desperta. Freud reconhece a importância dessa intuição, mas evita reduzi-la a uma função única.


5. O que distingue o sonho de uma explicação racional sobre nós mesmos?

O sonho não opera pela via da explicação direta nem da causalidade lógica. Ele constrói cenas, imagens e deslocamentos — uma gramática próxima da poesia. Quando mais próxima do sonho, essa linguagem tende ao surreal; quando mais próxima do pesadelo, pode adquirir algo do gesto dadaísta. O sonho não explica: apresenta. E é justamente por isso que ele resiste às tentativas de ser reduzido a uma teoria única.


Referência:

  • Freud, S (1900). A interpretação dos sonhos, 1-g.


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 Sobre a Autora:

Jéssica Domingues é psicanalista com percurso formativo pelo Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Atende adolescentes, adultos e casais em consultório particular, com atendimento presencial em Higienópolis (São Paulo) e Cerâmica (São Caetano do Sul), além de atendimentos online. Participa de grupos de estudos voltados à psicanálise contemporânea. Interessa-se por temáticas como depressão, luto, repetição e as formas atuais de mal-estar. É autora do artigo “O conceito de limite em André Green como proposta anti-procustiana ao enquadre clássico”, apresentado na Jornada de Membros do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes de 2022.  

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